Há alguns meses resolvi me encontrar com as palavras de Manoel de Barros e Elena Ferrante. Estilos e propostas diferentes, sem dúvidas, mas os trabalhos de ambos me lançaram em uma reflexão acerca da importância da linguagem e das palavras em nossas vidas. A psicanálise nos convoca a pensar o efeito das palavras no corpo e na constituição dos sujeitos. De cara, percebe-se que um mundo de linguagem é uma coisa complicada, que subverte a nossa própria natureza (se é que ela existe). Ainda antes de nascermos, antes mesmo de existirmos, somos antecipados pelas palavras de alguém. Quando pequenos, aprendemos a brincar com as palavras para, então, podermos existir através delas ao falar, escrever, articular…
Como nos aponta Manoel de Barros, em “Livro sobre nada”, “palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria” (p. 42). Arrisco dizer que as palavras nunca deixam de ser um instrumento de brincar. Se a criança brinca, é, também, para existir. E se o adulto existe, é porque ainda há algo de infantil que insiste: há uma criança que ressoa em suas palavras de adulto.
Assim, através da brincadeira das palavras, é possível fazer sentido com a nossa existência no mundo. Essa brincadeira, longe de ser boba, é sofisticada, não é uma tarefa simples.
Não por acaso, a fala tem um lugar tão importante em um processo de análise. É através dela que se pode fazer operar o inconsciente. Palavras que surgem na superfície de um corpo falante e que, muitas vezes, saltam pela boca. Em alguns momentos, também, são palavras que tentamos engolir, mas que não deixam de insistir em tomar o seu lugar. E como são criativas!
Através da escrita de Elena Ferrante em “Um amor incômodo”, tenho a impressão de encontrar algo semelhante a um processo de análise. Como a própria autora nos aponta, “falar é encadear tempos e espaços perdidos (...) palavras para se perder ou se encontrar” que, ao longo da narrativa, demonstram que a personagem Délia se perde na própria cronologia, resultando em uma reescrita de sua própria história.
Assim como a leitura desse livro, que foi, para mim, bastante incômoda e instigante, um processo de análise também pode ser muito, muito difícil, por tocar em lugares incômodos de nossa história. Apesar disso, sempre é um trabalho transformador, muito mais além do que se pode imaginar.
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